10/10/2024
A transição energética é um dos maiores desafios da nossa geração. Substituir combustíveis fósseis, emissores de gases de efeito estufa (GEE), por fontes renováveis, é a principal alternativa para deter o aquecimento global e suas consequências. Dentre as principais fontes renováveis no Brasil, como a hidrelétrica, a solar e a biomassa, hoje falaremos da energia eólica. No ano passado, uma pesquisa de doutorado desenvolvida na Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp, de autoria do costarriquenho Andrés de Jesus Arguello Guillén, venceu o Prêmio Capes de Tese de 2023, na categoria Engenharias IV. O estudo analisou o fenômeno da ressonância, um dos inúmeros problemas que podem afetar os parques eólicos. Desde 2017, o vestibular da Unicamp traz questões sobre a forma de utilização desse tipo de energia, sinal da importância que o tema vem ganhando nos últimos anos.
No Brasil, esta fonte de energia representa aproximadamente 10% da matriz energética do país. Os primeiros projetos em energia, solar e eólica, foram implementados na década de 90, nos estados do Nordeste e na Região Norte, sendo o primeiro aerogerador instalado no Brasil em 1992, no arquipélago de Fernando de Noronha. No ano de 1994, foi instalado o primeiro parque eólico de Morro do Camelinho, localizado no município de Gouveia (MG), composto por 4 aerogeradores de 250 kW. Em 1997, o Parque Eólico Mucuripe, conhecido também como Central Eólica Mucuripe, foi o primeiro empreendimento construído no Ceará, com potência instalada de 1200 kW. Esses dois empreendimentos incentivaram o crescimento da geração de energia eólica no Brasil.
O primeiro programa, que incentivou em larga escala, o desenvolvimento desse tipo de energia no Brasil foi o PROEÓLICA (Programa Emergencial de Energia Eólica), de 2001, uma resposta do Governo Federal à crise energética que o país vinha enfrentando. O programa gerou uma corrida de investidores, com o objetivo de iniciar o processo de homologação de seus projetos eólicos junto a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), e também surgiu a necessidade de importação de tecnologia e formação de mão de obra qualificada para estes tipos de empreendimentos. Com outro programa governamental, o PROINFA (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas), a partir de 2003, a participação da energia eólica cresceu rapidamente na matriz elétrica do Brasil.
Dez anos depois, em fevereiro de 2023, a energia eólica onshore (localizada no continente), já contava com 890 parques eólicos instalados em 12 estados brasileiros (85% na região do Nordeste, de acordo com a ABEEólica (Associação Brasileira de Energia Eólica). O boom da produção de eletricidade por fonte eólica, trouxe para o país a possibilidade de desenvolver uma indústria nacional desses equipamentos , o chamado Sistema de Inovação Nacional, que traz consigo não só uso dessa fonte para efeito de geração de eletricidade, mas também toda uma cadeia de produção e desenvolvimento tecnológico (com base na inovação brasileira desses equipamentos, principalmente nos estados onde existe maior potencialidade de geração de energia elétrica por esse tipo de fonte).
No entanto, pesquisadores da Unicamp, como o Prof. Dr. Carlos Joly, alerta para a ausência de estudos que analisem os impactos, ambientais e sociais, dos parques eólicos. O conceito discutido pelos pesquisadores é o da “transmissão energética justa”, que busca atrelar a descarbonização da economia com o bem estar de todos, população e meio ambiente. Os aerogeradores modernos são estruturas grandes, atingindo 150 m de altura, e suas pás podem chegar a 64 metros. Desde a escolha do local para a instalação do parque, passando pela construção da planta, negociação com a comunidade residente (através do estabelecimento de acordos e contratos), até o início do funcionamento da estrutura, são diversas ocorrências vivenciadas pelos pequenos agricultores, que se dizem afetados (mais negativamente do que positivamente) pela instalação dos parques, problema que passou a ser pauta de vários meios de comunicação.
De acordo com o podcast “Prato cheio episódio 7 – T6 – “Dinheiro não mão é vendaval”, os repórteres visitaram a cidade de Caetés, em Pernambuco, e realizaram entrevistas com moradores, para saber mais sobre os problemas enfrentados com a instalação dos geradores eólicos. De acordo com o Sr. Simão Salgado, conhecido como Tita, proprietário do Sítio Pau Ferro (que fica no Complexo Eólico São Clemente, antes conhecido como Sobradinho), a sua propriedade, quando chegou na região: “Era terra bruta, eu comprei 33 hectares, e o primeiro ponto foi fazer a casa, que eu construí com muito amor e carinho (…) com muito trabalho, imaginando que aqui seria o meu ponto final, onde eu iria permanecer para o resto da vida”.
Mas o sonho do Sr. Simão foi por água abaixo em 2014, com a instalação dos geradores. As “turbinas” foram ligadas em maio de 2016, próximos ao Sítio Pau Ferro, e após três dias já sentiam os impactos e os ruídos do complexo. Explosões com dinamite, além do barulho, derrubaram árvores centenárias durante a construção e assustaram os animais, que também se feriram. As pás dos geradores se movimentam em alta velocidade, matando aves e morcegos devido a colisão. O ruído aerodinâmico é produzido pela rotação das pás em atrito com o ar, gerando um barulho sonoro de amplo espectro de frequências, que é função da velocidade de ponta da pá.
Para a construção de cada base que dará suporte aos geradores, são utilizadas, aproximadamente, 40 toneladas de ferragens e 320m³ de concreto. Isso corresponde a 40 viagens de caminhão e betoneiras. O trânsito de caminhões próximo de escolas, tem deixado professores em alerta na Bahia, preocupados com possíveis atropelamentos das crianças. Dessa forma, a comunidade tem se organizado em torno de sindicatos, para não ficar à mercê de decisões arbitrárias, tomadas por empresas responsáveis pela montagem dos parques. Alguns moradores entrevistados pela reportagem, no velho continente, a Europa, relataram que o maior incômodo acontece no verão, pois o barulho não permite dormirem com as janelas abertas, e que a sensação é como se um avião estivesse sobrevoando suas casas, porém um avião “que nunca pousa”(1).
Para enfrentar essas e outras questões referentes à instalação dos parques eólicos, o Governo Federal estabeleceu em setembro de 2023, a Mesa de Diálogo Energia Renovável: direitos e impactos. Entre as atribuições do grupo está a busca de solução para conflitos e impactos ambientais, fundiários, sociais, econômicos, de saúde e de segurança nas áreas de atuação dos empreendimentos que geram energia renovável. Para isso, também serão mapeadas e sistematizadas tanto a cadeia produtiva nacional quanto a internacional, além do impacto e atuação nas comunidades e territórios do país (2).
O desenvolvimento tecnológico da última década, juntamente com as novas exigências de mercado promoveram um avanço na diminuição dos níveis de ruído produzidos pelos empreendimentos de geração de energia eólica. Ao contrário do impacto visual e alteração da paisagem, o ruído acústico pode ser medido, e de certa forma, previsto.
Nos links adicionados à esta matéria é possível assistir as reportagens realizadas por diversos meios de comunicação, como BBC NEWS Brasil, Folha de São Paulo, Podcast Prato Cheio, e saber mais sobre o tema da energia eólica, suas vantagens e desvantagens.
(1) EcoSolar Energias Renováveis: https://www.youtube.com/watch?v=R-BPmlgWFxA
(2) Matéria de Fabíola Sinimbú, Repórter da Agência Brasil, 11 de setembro de 2023. Link: https://agenciabrasil.ebc.com.br/ geral/noticia/2023-09 /mesa-de-dialogo-com-o- governo-vai-debater -energia-renovavel
Outros Links:
Jornal da Unicamp:
Folha de São Paulo: https://www.youtube.com/watch?v=8QAnpNruY2E
Podcast “Prato Cheio – O Joio e o Trigo”: https://www.youtube.com/watch?v=jMho2OMWyd4
BBC News Brasil: https://www.youtube.com/watch?v=0iCo_t9pY6g
O Biólogo – Revista do Conselho Regional de Biologia – Nº 67 (Jan/Fev/Março de 2024). p.4-20.
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